Este é o país mais perigoso em que já estive, porque tudo é pelo menos interessante e quase sempre barato e, em tese, tudo está ao nosso alcance, ainda mais quando se convertem rúpias em reais e/ou se comparam os preços com os praticados no Rio. O problema é que de real em real se desconstrói, rapidamente, uma boa conta bancária.
Já me proibi de comprar elefantinhos, por exemplo, mas a cada momento me aparece um diferente. Resultado: uma coleção de todos os feitios, que nem sei bem como vou levar na mala. Com rodas e sem rodas; de madeira lisa, madeira esculpida e madeira pintada; de barro; de mármore, com entalhe e sem; de jade... Até de bronze tenho um, ainda que minúsculo.
Pulseiras? Ora, por quem sois. Já tenho de miçangas, de osso de camelo, de prata, bronze, madeira, laca, vidro e madrepérola. E colares de olho de tigre e coral e lápis lazuli, e brincos de todas as cores e feitios, e caixinhas coloridas de madeira e de papel machê; mais caderninhos de papel artesanal com brilhos e pedacinhos de folhas, e miniaturas, e colchas do Rajastão e um xale de seda de Varanasi.
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Dizem que as pessoas costumam passar por grandes transformações espirituais quando vêm à Índia, e é verdade. Recebi um caboclo comprador e fico doida quando saio na rua, de tantas, tão lindas e tão acessíveis que são as mercadorias.* * *
Lá vinha eu com uns pacotinhos no Sarojini Market quando um vendedor me agarrou no meio da rua:-- Shopping bag? Shopping bag? Shopping bag?
Ele tinha umas sacolas de pano enormes, coloridas, com ziper e alças acolchoadas. Pedia 200 rúpias, o equivalente a R$ 7,40 pela última cotação. Agora, que já fui devidamente treinada pela minha amiga Margarida Barahona, não sou mais a otária completa de antes; sou apenas meio otária. Dei-lhe, pois, um passa-fora, e disse que estava maluco. Pediu 100. Topei.
A sacola é um primor de mal acabada, mas é grande, prática e nela couberam todos os pacotinhos. Poucos metros adiante, outro vendedor, com sacolas iguais, me perguntou quanto havia dado nela. Diante da resposta, ofereceu as suas por 50, ou seja, menos de dois reais. Se eu insistisse um pouco, levava por 30.
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Nova Delhi é seca, fica perto do deserto, e uma camada permanente e insidiosa de poeira cobre tudo, o tempo todo, somando-se à poluição tradicional que conhecemos tão bem. Depois de algumas horas na rua, por frio que esteja, a garganta se ressente, e bate uma sede danada. Talvez por isso se encontrem tantos vendedores de limonada espalhados pela cidade.Parei num deles, paguei dez rúpias e fiquei observando enquanto ele acrescentava ao líquido de uma garrafinha fartas colheradas de açúcar. Lá muito limpa a coisa não era, mas tinha uma cara boa, e bebi um gole com grande gosto. Foi um choque só: as colheradas não eram de açúcar, mas de... sal!
Bleargh!!!
Tentei beber mais um pouco à guisa de estudo antropológico-gastronômico, mas aquela porcaria era de fato nojenta e intragável. E lá fiquei zanzando pelo mercado feito uma barata tonta, com aquele gosto horrível na boca e o copo de plástico na mão, à procura de uma lata de lixo. Como em quase todo o resto da cidade (e quiçá do país) não há latas de lixo no Sarojini Market. Parei na loja de celulares onde ia deixar o velho N95 para trocar de casca. Dei o copo para o vendedor:
-- Você podia jogar isso fora, por favor?
O moço olhou para mim com cara de ponto de interrogação e atirou tudo, copo e limonada, na rua em frente. Não acertou ninguém por pura sorte.
* * *
Este país é doido, sujo, barulhento e confuso, mas é muito, muito divertido. Até porque basta andar um quarteirão ou atravessar a rua, e logo se estará num lugar completamente diferente daquele em que se estava. A zorra de Old Delhi e o paraíso de Lodhi Gardens, o mais lindo dos jardins urbanos, não são opostos, mas complementares.O Sarojini Market, que vende lado a lado jóias, celulares caríssimos e sacolas artesanais a preço vil, tudo coberto pela mesma poeira ancestral, é uma espécie de resumo da ópera.
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